sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

UnB hesita em punir estudantes por trotes violentos

Luana Lleras/Ag.UnB
A foto acima exibe imagem captada nas dependências da UnB em julho de 2010. Depois de atravessar o stress do vestibular, os calouros foram submetidos ao trote. Deu-se num curral assentado atrás do Centro Acadêmico de Agronomia, sob o comando de estudantes veteranos.
Com as testas encostadas na extremidade superior de cabos de vassoura, os novatos rodaram até ficar tontos. Alguns levaram palmadas. Zonzos, meteram-se numa “piscina” em que se misturavam lama, restos de vegetais, folhas, galhos e lixo.
Foi apenas uma das passagens da temporada de trotes de 2010. Houve mais. As boas-vindas aos calouros oscilaram entre a humilhação e a homofobia. Desde então, a cúpula da UnB discute o que fazer para evitar a reiteração das práticas.
A iminência da inauguração do primeiro semestre letivo de 2011 fez reacender o debate. O tema voltou à mesa, nesta quinta (20), numa reunião do Cepe (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) da UnB.
Produziu-se uma discussão de contornos inusitados. A coisa foi esmiuçada num texto levado ao portal da universidade na web. Conta-se no relato que, divididos, os conselheiros decidiram nada decidir.
Agendou-se nova reunião para a quinta-feira (27) da semana que vem. No centro da controvérsia, bóia uma pergunta: Punir ou não os responsáveis pelos trotes sujos?
Uma das conselheiras, Andréa Maranhão, do Instituto de Biologia da UnB, invocou seus instintos maternos para defender a punição: “Como mãe, a gente faz isso com os nossos filhos. Existe um vácuo normativo e a gente não tem pelo que se pautar".
Simone Perecmanis, da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, tentou revestir o debate com ossatura antropológica. Disse que a escola tenta civilizar a recepção aos calouros, substituindo o trote por visitas à fazenda e churrascos.
Porém, a própria “calourada” deseja “o rito de passagem”. Como assim? “Eles acham o trote uma coisa normal”, disse Simone. “Um aluno comentou que sua própria mãe o havia amarrado num poste e pintado seu corpo. Esse é um problema cultural”.
Outra conselheira, Marina Flores, que representa o diretório central dos estudantes, tentou afastar a discussão do tacape. Contrária às punições, ela declarou: “Conscientizar é mais importante, principalmente para aqueles que acreditam na educação”.
Interveio Neio de Oliveira, do Centro de Excelência em Turismo da UnB. Injetou no lero-lero uma personagem apropriada: a Mãe Joana. “Precisamos de norma que garanta punição, mas como ainda não temos, essa prática [o trote] ainda segue acontecendo. Aqui não é a casa-da-mãe-Joana”.
Em timbre acomodatício, o vice-reitor da UnB, João Batista, tentou jogar a resolução do problema para um ponto longínquo da folhinha: as calendas. Sugeriu uma parceria com a Secretaria de Educação do DF. Para quê? Para que os futuros alunos da UnB sejam amaciados desde a mais tenra infância:
“Esse assunto é um problema que precisa ser trabalhado com todos, inclusive com os pais, a longo prazo. Eu sou radicalmente contra o trote, mas punição não resolve”.
Um pedaço da reunião foi consumido com a análise de uma cartilha. Verificou-se que Joana, a mãe das casas anarquizadas, pode, sim, ter passado pela UnB. Impressa no ano passado, no rastro das recepções violentas, a cartilha carrega, além de mensagem anti-trote, erros.
“Erros de concordândia e inconsistência conceitual”. Coisas que talvez levassem os autores à reprovação numa prova de redação do Enem. Seria adequado redistribuir a peça aos estudantes? Rachel Nunes, decana de Assuntos Comunitários da universidade, foi ao ponto:
“O problema aqui não é conceitual. Jogar fora é um desperdício de dinheiro público”. Rafael Barroso, assessor do gabinete do reitor, ecoou Rachel. Ele reconheceu os erros, recordou que a cartilha passou pelas mãos de uma revisora de textos da UnB e arrematou: “Não pode ser simplesmente jogada no lixo.”
Denise Bomtempo, decana de Pesquisa e Pós-Graduação, divagou sobre o vexame. Disse que erros de português não ornam com universidade: “É melhor não distribuir”.
Abstendo-se de responsabilidade pelo material tóxico, Hartmut Günther, do Instituto de Psicologia da UnB, sugeriu uma espécie de investigação: “É preciso pesquisar mais sobre o tema, já que estamos na academia, com tantos professores”.
O vaivém transferiu a encrenca da cartilha para a pauta da próxima reunião, aquela que foi agendada para a próxima semana. De concreto, por ora, apenas uma impressão incontornável:
Se fosse feita de vidro, a UnB proporcionaria à platéia espetáculos memoráveis. Quem lê a transcrição das declarações que soaram entre quatro paredes enxerga com nitidez o pano de fundo contra o qual prolifera a má educação que vulgariza os trotes.

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