domingo, 27 de março de 2011

“A mulher será sempre dona de casa”


Pelo corredor da Escola Doméstica surge a senhora com passos firmes, demonstrando simplicidade. Cumprimentos iniciais e logo ela nos conduz para uma grande sala que traz, nas suas paredes, um quadro de Noilde Ramalho, ex-diretora da Escola Doméstica. O espaço é grande e parece contrastar com a própria simplicidade de Margarida Cabral, a nova diretora da Escola Doméstica. É ela a sucessora de Noilde Ramalho no comando de um dos tradicionais colégios de Natal, com 96 anos de atuação. A história de vida de Margarida Cabral se confunde com a própria Escola Doméstica. Afinal, ela chegou na ED aos 12 anos, como aluna. Depois de concluir o ensino médico, continuou no colégio, mas como funcionária. E agora assume o cargo de direção da escola. Margarida Cabral não gosta de ser tratada como sucessora de Noilde Ramalho. “Eu não me sinto a sucessora de Noilde Ramalho. Estou fazendo um trabalho para que o trabalho de dona Noilde, o trabalho que ela fez durante toda uma vida e eu acompanhei de muito perto, ele continue. Suceder dona Noilde é meio difícil porque ela veio fazendo um trabalho durante muito tempo”, pondera.A nova diretora da Escola Doméstica demonstra ter por Noilde Ramalho uma grande admiração. Nessa entrevista, ela trouxe um momento de emoção. Foi quando perguntei qual foi o momento mais difícil pelo qual passou a Escola Doméstica nesses 96 anos. Com essa pergunta, Margarida Cabral chora, se emociona e afirma que “o momento mais difícil é esse” (da ED viver sem sua diretora de tantos anos). E em seguida questiono se ela temeu pelo fim da Escola Doméstica com o falecimento de Noilde Ramalho. “Não. Mas achei que era muito difícil e estamos fazendo um esforço para que a coisa caminhe com muita naturalidade, que as crianças não sintam isso. Isso aqui (o choro) é só em quatro paredes (ela chora novamente)”, responde.

emanuel amaralMargarida Cabral, a nova diretora da Escola Doméstica, traz uma estreita relação com o colégio desde criança 
Margarida Cabral, a nova diretora da Escola Doméstica, 
traz uma estreita relação com o colégio desde criança
Ao falar do início da Escola Doméstica Margarida Cabral traz histórias e estampa um grande carinho pelas alunas “mais levadas”, como ela costuma chamar as meninas danadas. Na análise sobre a ED, observa que algumas atividades práticas são mantidas, mas foi preciso passar por uma adequação do próprio momento. “Acho que as meninas de hoje não iam querer fazer o que nós fazíamos naquela época. O tempo corre para se preparar mais para vida, para disputar uma carreira, para vencer como profissional. Então a escola se volta hoje mais para parte pedagógica. A visão hoje é o vestibular”, comenta. A convidada de hoje do 3 por 4 é uma senhora simples, meiga, uma admiradora de Noilde Ramalho, uma diretora afetiva, uma cidadã que traz lições. Com vocês, Margarida Cabral.

Como foi para senhora ter sido escolhida a sucessora de Noilde Ramalho na Escola Doméstica?

Eu não me sinto a sucessora de Noilde Ramalho. Estou fazendo um trabalho para que o trabalho de dona Noilde, o trabalho que ela fez durante toda uma vida e eu acompanhei de muito perto, ele continue. Suceder dona Noilde é meio difícil porque ela veio fazendo um trabalho durante muito tempo. Ela começou muito jovem, em 1945, aos 25 anos, em um período onde tudo era mais fácil. A escola tinha poucas alunas, era uma matrícula pequena, embora a dificuldade financeira da época fosse muito grande. Mas ela foi de tal maneira equilibrando e melhorando e crescendo que foi sempre se sucedendo muito bem, o sucesso foi aparecendo e ela sempre acertando. Eu acompanhei porque quando ela veio ser diretora eu vim ser professora. Ela tinha 25 anos e eu 17 anos. Havia terminado o curso no ano anterior, em 1944. A escola era na Ribeira. Ficamos lá até 1952. Mas como as instalações estavam se tornando pequenas para os cursos, a matrícula. E nós recebemos esse terreno (onde hoje está a ED) como doação do Estado. Começamos a construir em 1952 e em 1953 foi a inauguração das novas instalações. Quando recebemos a escola lá eram só 200 alunas. Era regime de internato e semi-internato. As alunas semi-internas passavam o dia na escola, vinham pela manhã e ficavam até a tarde. Tínhamos uma programação de matérias práticas. Essas matérias eram feitas com muita intensidade. Aulas de cozinha, aulas de jardinagem, aulas de puericultura, leitaria, fazíamos queijo. Toda parte prática era muito intensiva. E tudo isso já se tornou pequeno. Em março de 1953 inauguramos as novas instalações. Aqui crescemos em número de alunos e ampliamos também as instalações. Quando nós chegamos só tinham salas, dormitório e refeitório. A cada ano quando voltávamos das férias tinha uma novidade, sempre uma construção nova. E aquilo tinha engenheiro, arquiteto e eu dizia a dona Noilde que ela tinha errado na profissão, deveria era ser mestre de obra. O engenheiro planejava, o arquiteto também, mas no fim era ela quem dava a última palavra.

A Escola Doméstica mantém as atividades práticas?

Permanecem, mas de uma maneira muito menos intensiva. Hoje se volta mais para parte acadêmica. As atividades práticas temos ainda parte de puericultura, cozinha, etiqueta social. Mas acabou a parte de leitaria, lavandeira.

Isso seria uma perda para o padrão da ED?

Nós temos que nos adequar ao momento. Acho que as meninas de hoje não iam querer fazer o que nós fazíamos naquela época. O tempo corre para se preparar mais para vida, para disputar uma carreira, para vencer como profissional. Então a escola se volta hoje mais para parte pedagógica. A visão hoje é o vestibular.

Isso é bom ou ruim?

Não é ruim. Temos que nos adequar ao momento. A escola não deixa de ter e de dar noções práticas da vida. A mulher será sempre dona de casa, seja ela médica, empresária, qualquer profissão que exercer terá um pouco de economia doméstica. Essas noções nós ainda damos.

O fato da Escola Doméstica ser só para mulheres isso facilita a atuação dos educadores?

Quem escolhe a Escola Doméstica já vem sabendo que ela é só feminina. E ela é feminina porque tem uma preocupação diferente. Quem vem já chega aceitando o que será feito. De forma que nós não temos muita dificuldade.

Como uma escola sobreviver atuando em quase um século (a escola tem 96 anos)?

Acho que o esforço de Noilde foi o principal elo disso tudo. O carinho, a dedicação que ela sempre teve com a escola e a equipe com quem trabalhou. Nós sempre procuramos dar o máximo. Para uma escola sobreviver tem que ter ensino de qualidade. Você tem que procurar bons professores, bons coordenadores, bons administradores para que isso vá adiante. Hoje para qualquer firma sobreviver esse tempo todo não é fácil. Tivemos queda de matrícula, não pode ser negado, mas estamos trabalhando para que o isso melhore a cada dia e a escola possa se firmar como sempre esteve no mercado de trabalho e na aceitação pública.

Analisando a trajetória da Escola Doméstica qual foi o momento mais delicado pelo qual o colégio passou?

Esse de agora. [Ela chora e faz uma pausa na entrevista.]

Eu percebo a sua emoção e permita-me perguntar: a senhora então temeu pelo fim da Escola Doméstica?

Não. Mas achei que era muito difícil e estamos fazendo um esforço para que a coisa caminhe com muita naturalidade, que as crianças não sintam isso. Isso aqui(o choro) é só em quatro paredes (ela chora novamente). Lá fora estamos sempre muito alegres, risonhas e mostramos que tudo está bem, caminhando as mil maravilhas.

Qual o projeto da senhora como diretora da Escola Doméstica?

A meta é continuar esse trabalho tão bom que foi feito durante esses 65 anos de direção de Noilde Ramalho. Procurar a cada dia melhorar, inovar, atualizar e se adequar ao momento.

E a fase do Colégio Henrique Castriciano?

O Henrique Castriciano foi idealizado e criado por Noilde. Ela queria fazer isso porque as meninas vinham para escola e para onde iriam os meninos? Sempre iam para outro colégio. Ela achou por bem criar um colégio misto e traria o aluno para aqui. Até para convivência das próprias alunas também foi muito bom. Para não tirar aquela tradição que a escola era puramente feminina, ela lembrou que o Henrique misto seria o entrosamento. A lanchonete é única para os dois colégios. Há uma convivência dos meninos e meninas.

Era mais fácil educar as crianças de antigamente ou as de agora?

Cada época tem sua característica. Hoje uma das dificuldades é que antigamente o que a escola decidia os pais colaboravam, cooperavam muito. Hoje os pais são muito polêmicos, eles cobram muito e isso talvez é bom porque você sabe que hoje a televisão, o mundo moderno, as opções são muitas. As crianças têm tanto em que se distrair, o que pensar que não tem mais a mesma concentração de antigamente. Acompanho sete gerações e é uma diferença grande, mas cada uma na sua geração, nas suas qualidades. Todas são muito boas. Você vai se adaptando de acordo com o mundo. Agora uma coisa que não abro mão é da disciplina. Disciplina é a base de tudo. Muitas vezes deixava de castigo hoje você não faz isso, você conversa, argumenta, deixa que a criança fale. Você tem que ir marchando de acordo com o tempo e o mundo como está. Boas maneiras, disciplina, educação não acaba nunca. E a base de tudo é a família. Se você não tem uma família bem estruturada o trabalho é maior porque tem que educar a criança e a família.

É mais fácil educar hoje?

Tudo no seu tempo. Aqui nós não tínhamos, quando começamos, pedagogas, psicólogas. Noilde chamava o pai (da criança), conversava e aquela conversa era suficiente. Hoje vai pela pedagogia, métodos o que deve ser feito corretamente.

Detalhes

Margarida Cabral, a nova diretora da Escola Doméstica, traz uma estreita relação com o colégio desde criança. Aos 12 anos ingressou na escola. Aos 17 concluiu o ensino médio e continuou no colégio como funcionária. Foi professora da escola do internato, do semi-internato e na secretaria passou 50 anos. Agora chega ao ponto alto da carreira como diretora da ED.

Perfil

O que representa a ED: cheguei aqui com 12 anos estou com 83 anos. É uma vida toda. Na minha época o sonho de qualquer adolescente do interior era estudar como interna da Escola Doméstica. Passei cinco anos como aluna. 50 anos de secretaria. A escola é uma segunda família

Qual aluna mais gostava: são muitas. Mas geralmente as mais levadas foram as que mais marcaram. Quando tomava conta do internato, se a menina era muito levada, primeiro fazia amizade, conquistava.

O que espera da ED: espero e desejo que continue crescendo e que o trabalho de Noilde continue sempre progredindo. Que a escola que vi começar com 200 alunas chegue sempre ao número maior como tem chegado.

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