terça-feira, 15 de março de 2011

Reacções à crise do Japão relançam debate sobre o futuro do nuclear

Seja qual for o seu desfecho, a crise nuclear do Japão promete ter um efeito mais vasto sobre toda a indústria atómica. Manifestações antinuclear já tomaram forma na Alemanha, Itália e França. Alguns países mostram-se preocupados com a segurança das suas centrais ou dos seus vizinhos. E a energia atómica ameaça perder rapidamente a janela que tinha para ser relançada como uma alternativa para combater o aquecimento global.
O momento da explosão de hidrogénio no reactor 3 de Fukushima O momento da explosão de hidrogénio no reactor 3 de Fukushima (Foto: Reuters/NTV)

Os acidentes de Three Mile Island (1979) e Tchernobil (1986) tinham já comprometido a imagem do nuclear como uma tecnologia segura. Os programas atómicos de muitos países pararam. A última central a entrar em funcionamento nos Estados Unidos começou a ser construída em 1973. Na Europa, desde Tchernobil só em 2005 foi lançada a construção de uma nova central, na Finlândia.

No resto do mundo, o nuclear tem avançado lentamente. Nos últimos 20 anos, entraram em funcionamento, em média, quatro centrais por ano, segundo dados da Agência Internacional de Energia Atómica. Nos 20 anos anteriores, a média foi de 18 centrais por ano. Neste momento, há 65 reactores em construção, dos quais 27 na China e 11 na Índia.

O vice-ministro chinês para a protecção ambiental, Zhang Lijun, disse ontem que o calendário do programa nuclear do país se mantém, mas que o Governo está atento "ao impacto do sismo nos equipamentos nucleares do Japão e à evolução da situação".

Outros países vão mais além. O ministro do Ambiente austríaco, Nikolaus Berlakivich, exigiu a realização de testes às centrais europeias. "São resistentes aos terramotos? Como funcionam os sistemas de arrefecimento?"

A Áustria opõe-se à energia atómica, mas tem vizinhos com centrais nucleares, a começar pela Alemanha. A chanceler Angela Merkel reagiu à crise no Japão suspendendo por três meses a decisão de estender a vida útil das centrais nucleares do país.

A rapidez da chanceler "mostra o quanto ela está preocupada porque, devido ao Japão, as pessoas poderão votar nos Verdes nas eleições de Baden-Wuerttemberg", que se realizam este mês, disse à Reuters Carsten Koschmieder, cientista política da Universidade Livre de Berlim.

A indústria também reagiu, mas a defender o nuclear. "A principal causa dos problemas no Japão não foi o sismo, mas o tsunami, e isso é uma coisa que não poderá acontecer aqui", disse ao diário Bild o presidente da RWE, a segunda maior empresa energética da Alemanha.

Pedro Sampaio Nunes, promotor da ideia de se construir uma central nuclear em Portugal, argumenta que dos 15 reactores na zona mais exposta ao tremor de terra, houve problemas em quatro e, por ora, sem libertação significativa de radioactividade. "A conclusão é que resistiram bem a um sismo de magnitude nove e a um tsunami com ondas de 10 metros", afirma. "Não há situação pior do que esta".

Seja como for, o acidente em Fukushima representa o mais forte golpe no programa nuclear do Japão, abalado nos últimos anos por mais três acidentes e por revelações de relatórios técnicos falsificados. "O nuclear é uma actividade económica que vive do segredo e da mentira", afirma Carlos Pimenta, ex-secretário de Estado do Ambiente e crítico da energia atómica.

O comissário europeu para a Energia, Gunther Oettinger, quer discutir os riscos das centrais europeias numa reunião hoje com responsáveis do sector. Oettinger solicitou também a convocação de uma reunião extraordinária da Agência Internacional de Energia Atómica. "As imagens do Japão mostram-nos que o pior não é inimaginável", disse numa entrevista à rádio Deutschlandfunk.

A Suíça suspendeu os projectos de renovação das suas centrais. Nos Estados Unidos, o senador Joe Lieberman diz que o país deve "pôr um travão" aos novos projectos. A Casa Branca informou, porém, que o Presidente Obama quer manter o nuclear como parte da estratégia energética do país. O Presidente francês, Nicolas Sarkozy, descartou também a ideia de abandonar o nuclear, mas vai propor uma reunião de ministros do G20 para discutir a crise do Japão.

O efeito psicológico do acidente de Fukushima sobre o cidadão comum, porém, não é negligenciável. "É a primeira vez que se vê em directo uma central nuclear a explodir", diz Carlos Pimenta.

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